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Abusos e estupros de ex-voluntário da comunidade religiosa teriam ocorrido quando elas eram crianças e adolescentes
Quase 25 anos se passaram, mas Angélica* ainda se lembra com detalhes do dia em que diz ter sido abusada sexualmente por José* pela primeira vez, em 2001. Então diretor do Clube de Desbravadores, um departamento da Igreja Adventista do Sétimo Dia que atende crianças e adolescentes entre 10 e 15 anos, o homem, amigo do pai de Angélica, ofereceu carona para a garota, na época com 11 anos, pra ir até o culto.
Ela conta que de lá o ancião, nome que é dado a quem atua nessa função, a levou pra tomar sorvete e, no caminho de volta, parou atrás de uma igreja no Jardim Alterosas, a abraçou pelas costas com as partes íntimas aparecendo, a colocou no carro e a estuprou. “Senti muita dor. Pedi pra ele parar, mas ele continuou. Fez tudo o que pretendia, aquela monstruosidade, e me deixou em casa como se nada tivesse acontecido”, lembra a mulher, que afirma ter continuado a ser abusada por quatro anos pelo membro voluntário da igreja.
A história de Angélica foi o fio condutor para que outras mulheres, anos mais tarde, tomassem coragem pra irem até a polícia denunciar os abusos sofridos. Cinco dessas vítimas registraram boletins de ocorrência contra ele. Mas outras duas afirmaram que irão às autoridades policiais para relatarem o que sofreram nas mãos do suspeito.
A Polícia Civil informou à reportagem que um inquérito policial foi instaurado na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher em Betim para apurar as denúncias, e a corporação solicita que possíveis vítimas compareçam à unidade para registrar denúncia. “Informações serão divulgadas em momento oportuno para preservar a investigação em andamento”, declarou a corporação em nota.
Carolina* é outra mulher que afirma ter sido abusada por José* na infância. Ela conta que, depois de tomar ciência das denúncias feitas, foi atrás das vítimas e, nesta semana, buscou a polícia para contar o que sofreu. “Era o ano de 2002. Estávamos em um encontro de jovens no Centro Adventista de Treinamento e Recreação, o Catre, em Contagem. Na época, eu tinha 13 anos. O evento tinha piscina liberada e recreação.
Eu não sabia nadar e não entrava em piscinas grandes. José estava em uma menor, ensinando crianças pequenas, e se ofereceu pra me ensinar. Pediu que eu segurasse na lateral da piscina e que mantivesse o corpo por cima da água, batendo as pernas. De repente, ele passou a mão por baixo do meu corpo e enfiou o dedo na minha vagina. Aquilo doeu, me incomodou muito.
Mexi pra ele tirar, mas ele insistiu, disse que eu estava indo bem. Daí, colocou mais duas vezes o dedo na minha vagina até eu sair da piscina”, recorda a mulher, que diz ter entendido que havia sofrido uma violência sexual quando criança somente ao chegar à fase adulta.
“Minha mãe nunca tinha falado sobre sexo comigo. Nunca contei nada pra ninguém. Tinha medo, vergonha e achava que ninguém iria acreditar. Só decidi relatar o crime agora, depois de saber das demais vítimas. Estou com muito ódio de tudo o que ele fez. Tenho muito nojo. Quero ter certeza de que ele nunca mais vai ferir e magoar ninguém. Espero que a justiça seja feita e que mais vítimas denunciem. Ele tem que ir pra cadeia”, reivindica Carolina*.
Juliana* até hoje se emociona ao narrar o abuso que também diz ter sofrido aos 12 anos. A vítima, que, da mesma forma, decidiu quebrar o silêncio anos depois, lembra que ia passar férias na casa de parentes em Betim, membros da igreja, e que, nessas ocasiões, José* a buscava e outras garotas pra ir até a igreja. “Ele era de muita confiança de todos. Mas, numa dessas idas, nos convidou para dar uma ‘fugida’ do culto e nos levou pro cinema, onde o crime ocorreu.
Ele se sentou do meu lado, me abraçou e acariciou os meus seios. Não adiantava eu tirar a mão dele que ele voltava. Acho que ele só não me estuprou porque não teve a oportunidade de ficar sozinho comigo. Ele é sociopata, um monstro”, desabafa.
Vítimas falam em omissão da comunidade religiosa
Duas vítimas que afirmam terem sofrido violência sexual do então ancião da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Betim denunciam que a comunidade religiosa já sabia dos casos de abuso e que foi “omissa”. “Um dos casos chegou aos líderes e ele foi afastado por um ano, mas, depois, voltou. Inclusive, mesmo depois disso, foi homenageado na igreja”, diz Angélica* ao adiantar que, nos próximos dias, vai até o Ministério Público para relatar os crimes. “Espero que lá nos ajudem.
Um pastor da igreja me contou, inclusive, que José* confessou os abusos, mas que estava arrependido. Uma mentira”, dispara Carolina*.
Em nota, a igreja reforça que medidas legais rigorosas serão tomadas para garantir a devida responsabilização e que vai colaborar com as autoridades competentes.
A igreja alega ainda que ofereceu apoio psicológico às vítimas e que ofertará a elas acolhimento e apoio necessários. “Não compactuamos com qualquer forma de abuso ou conduta inapropriada”, diz trecho da nota.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia foi procurada e afirmou, por meio de nota, que tão logo tomou conhecimento das denúncias afastou, de forma imediata, o ancião de suas atividades como membro voluntário na igreja na cidade e declarou que prosseguirá com processos disciplinares da comunidade religiosa.
Nomes fictícios/ Fonte O Tempo